
Confiabilidade é um dos fatores determinantes da qualidade de serviços ou produtos e baliza a relação de uma empresa com seus clientes. Miguel Marcelino de Carvalho Neto, da WHY Consultoria, explica como um fornecedor pode atingir patamares de confiabilidade junto a seus compradores.
Como podemos relacionar testes de vida acelerados à confiabilidade?
Confiabilidade e testes de vida acelerados estão intimamente ligados. O teste acelerado simula a vida de um produto em campo, em um curto intervalo de tempo. A partir dos resultados do teste, pode ser determinado um nível de confiabilidade para o produto para um determinado nível de confiança, especialmente tratando-se de novos produtos onde ainda não existem dados históricos de campo. O teste de vida acelerado é a única maneira de lançar um novo produto prevendo como será seu desempenho em campo.
Qual é a relação entre confiabilidade e qualidade do produto?
Confiabilidade é um conceito mais amplo, garantindo a qualidade do produto durante todo seu ciclo de vida e não somente na “porta de fábrica”. A qualidade garante a conformidade do produto com uma especificação, ou seja, quando o produto sair da fábrica, irá atender a uma especificação estipulada pelo cliente. Muitas vezes um produto tem qualidade, mas não tem a confiabilidade desejada. Ele é vendido sem nenhum desvio de engenharia, mas, no campo, falha muito. Alguns autores defendem que confiabilidade é a qualidade durante todo o ciclo de vida do produto. Mas também pode acontecer de um produto sair da fábrica com desvio de engenharia e, em campo, funcionar sem falhas – nesse caso, ele não teria qualidade, mas teria confiabilidade. E nem todo produto que tenha qualidade tem, necessariamente, a confiabilidade desejada.
O senhor pode citar um exemplo disso?
O exemplo mais recente e já clássico que posso citar é o do Samsung Galaxy Note 7. O smartphone saiu da fábrica perfeito, sem desvio de engenharia, excelente em todos os aspectos de qualidade. E, em campo, falhou prematuramente. Nesse caso, faltou comprovar a confiabilidade do produto, ou seja, realizar testes acelerados adequados.
A busca por confiabilidade traz quais benefícios ao ramo eletroeletrônico?
Basicamente na redução de custos, que é fundamental para a sobrevivência das empresas. Com alta confiabilidade, os custos de manutenção são mais baixos, bem como o retorno em garantia. No caso da Samsung, o recall do Note 7 está na casa dos bilhões de dólares! Isso fecharia qualquer empresa de pequeno ou médio porte. Além disso, o cliente espera que o produto dure determinado tempo sem falhar e, se atender à sua expectativa, fica satisfeito com a compra e acaba comprando novamente. Trata-se também da proteção da marca, produtos que falham muito acabam prejudicando a imagem da marca. Além da redução nos custos fora da fábrica, um produto que tenha alta confiabilidade produz menos rejeitos durante o processo de produção. O que uma empresa deseja é que um cliente compre um produto e só volte para comprar outro depois que o ciclo de vida do primeiro se encerre. Isso, nos países desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos, está muito arraigado. Para eles, o custo da imagem é o maior custo de todos e em suas planilhas de custos entra também o custo da não-confiabilidade, que eles chamam de desconfiabilidade (unreliability, em inglês). No Brasil, poucas empresas fazem testes de confiabilidade adequadamente. Quem acaba testando o produto é o cliente, em campo. As empresas se queimam nesse processo.
Hoje os fabricantes podem usar a confiabilidade como argumento de venda?
Não só podem como devem. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse é o primeiro fator que usam para vender um produto: é o primeiro apelo e o primeiro parâmetro avaliado pelos clientes. A confiabilidade depende de um histórico da marca e é por isso que poucas pessoas bem informadas sobre confiabilidade compram produtos novos, ainda sem histórico sobre sua confiabilidade.
Como as empresas podem vender confiabilidade?
Trabalhando o marketing. A confiabilidade deve ser um parâmetro na hora de criar seus projetos de marketing para a divulgação do produto. Não é recomendável se fiar apenas na criatividade. É uma questão cultural, que deve ser trabalhada nas empresas. As organizações devem trabalhar para que haja uma conscientização de que a confiabilidade é seu principal argumento de venda e seu aspecto mais importante. E, a partir daí, dar diretrizes para que o marketing trabalhe em cima disso.
Qual é o papel dos estudos de confiabilidade na definição de políticas de garantias das concessionárias de energia?
Quem define o parâmetro de confiabilidade é o cliente. Um bom contrato de confiabilidade entre o cliente e o fornecedor resolve isso. Não existe nenhum produto que atenda a todas as especificações de todos os clientes, pois isso seria muito caro e o mercado procura produtos mais baratos e com confiabilidade. O cliente e o fornecedor deveriam se reunir e acordar regras e parâmetros de confiabilidade e, a partir disso, chegar ao preço final, não o contrário. A grande dificuldade é unir alta confiabilidade com baixo custo, mas usando as ferramentas e metodologias corretas da Engenharia de Confiabilidade, é possível resolver essa equação.
Como?
É relativamente simples: deve ser feita uma análise de risco do produto. Quando se analisa um produto, deve-se levar em consideração o risco de falha de cada componente. Em geral, cerca de 80% dos componentes de um produto permitem a troca por um mais barato, sem perda do nível de confiabilidade desejado. É evidente que componentes críticos, de alto risco, não podem ser trocados por itens com menor confiabilidade. Recomendo a aplicação de metodologias de projeto voltadas para confiabilidade que mapeie onde cortar ou não custos, como o Projeto Focado em Confiabilidade (Design For Reliability). O que os fornecedores muitas vezes não entendem é que quem determina os parâmetros de confiabilidade de um produto é o cliente. O fornecedor deve reprojetar seu produto para atender ao padrão de confiabilidade e com o custo que o cliente deseja pagar. Nos Estados Unidos é comum acordos de confiabilidade e custo entre clientes e fornecedores. Se o produto não atende ao que foi acordado, o fornecedor é multado, se ele excede, o fornecedor é bonificado. Para tanto, os produtos são avaliados periodicamente durante todo o ciclo de vida que foi acordado entre as partes.